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quinta-feira, agosto 10, 2006

O caso Fawcett e o Novo Jornalismo

Jornalismo e literatura não são pólos opostos.

Pelo menos, é o que mostram os textos de Novo Jornalismo, estilo de redação avesso ao 3Q+COP. O estilo ficou famoso no Brasil entre 50 e 60, com as revistas O Cruzeiro e Realidade. O estilo prima pela narrativa com efeito, abertura criativa e tem a forma semelhante da do conto.

No capítulo “No rastro da Literatura”, do Livro Estilo Magazine, Sergio Vilas Boas adverte que jornalismo é literatura de massa. Embora livre para verter pelo experimentalismo, não pode perder a característica fundamental: informar.

Mas a grande pergunta desse tipo de reportagem – e que é respondida – de maneira geral não está condensada no lide, está salpicada pelas frases. Os repórteres-contistas exploram os detalhes de ambiente e os sentimentos, buscam o interesse humano. Para esses redatores, a “vida” é muito rica e complexa para ser espremida em um “Que, Quem, Quando, Onde, Como e Por quê”.

O texto “A morte de Fawcett”, publicado em 4 de janeiro de 1947, em O Cruzeiro, servirá como fio condutor para discorrer sobre jornalismo literário.


Repórter in loco


O autor da reportagem é Edmar Morel, autor do livro póstumo Histórias de um repórter (Rio de Janeiro, Record, 1999). A abertura da matéria já inicia com um “Em Londres, uma quiromante qualquer olha para uma bola de cristal e vê ‘um velho com longas barbas brancas prisioneiro de uma tribo de canibais... ’”.

Ficaria claro para um periodista de jornal diário que o primeiro parágrafo não responde as perguntas principais. Morel não se preocupa, pois quer um jornalismo de revista, um jornalismo literário. Ele tem como objetivo envolver o leitor e contextualizá-lo, trabalhando muito com a forma, com a textualidade.

A grande pergunta do texto que é “O que aconteceu com o Coronel britânico Fawcett, da Real Geographical Society, que sumiu em 1925 (a reportagem é de 1947) nas selvas brasileiras” só é respondida na página 26, no fim do texto.

Além disso, o repórter participa da trama, é um personagem. A matéria transcende o que ocorreu com o Cel e ainda descobre quais os reais motivos que fizeram Fawcett vir ao Brasil (A expedição que tentaria encontrar a cidade perdida de Atlântida, na verdade queria nosso ouro).

Simplória, poderia ser redigida assim: Desfeito o mistério sobre o caso Fawcett. O Cel Britânico Percy Fawcett, desaparecido desde 1925, foi morto a flechadas por índios Kalapalos, no alto Xingu. Em uma fazenda chamada “Ponte Falsa”, foram encontrados documentos que comprovam que a expedição do oficial não procurava a cidade perdida de Atlântida, mas o ouro brasileiro.

Contudo, o autor fez o leitor da revista saborear junto com ele a epopéia. Morel proporcionou cada mínimo detalhe como a descrição do encontro dele com o chefe Izarari, a quem mostrou as fotos de Fawcett.

O que se revela no final é que o Cel assassinado era um carrasco de nativos e tinha interesses escusos. A narrativa serviu para dar emoção à passagem, sem deixar de ser informativa. Norman Mailer o fez quando narrou a “luta do século” entre Cassius Clay e George Foreman, em 1974.

Capote, também, em seu clássico "A sangue frio".

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