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domingo, outubro 15, 2006

Im-prensa (Um conto)

Por Jeison Karnal

Um novo atentado de homem-bomba no Iraque preencheria a secundária da página nove.

Era próximo das dez horas, e o editor aguardava o texto que deveria ser espremido e engarrafado a tempo. O HD mastigava o que o jovem redator oferecia, não sem roncar zangado, engolindo frases truncadas e termos levianos. As informações sobre o número de vítimas seguiam desencontradas. Algumas agências divulgavam trinta mortos, outras quarenta.

De acordo com a FP, o local da tragédia, teria sido um café clandestino onde soldados norte-americanos aproveitavam as horas de folga para esquecer os caprichos da Casa Branca. Já a AE, apontava um pequeno supermercado de Bagdá.

Ninguém na redação faria uma ligação para o Oriente Médio. Fossem trinta ou quarenta mortos, fosse o local um circo ou um estábulo. Um jornal pequeno tampouco mandaria um correspondente para saber o número certo. A alternativa poderia ser contatar a France Presse, mas a desculpa seria de que ninguém falava francês ou inglês.

Outra possibilidade teria sido telefonar para o Estadão, contudo, nenhum repórter teria a cara-de-pau de ligar e perguntar: “Ei, amigo, afinal, foram trinta ou quarenta? Estava tentando saquear o site de vocês e fiquei confuso”. Ainda existe ainda algum orgulho na profissão. Copia-se, claro. Sem revelar as fontes.

Tempo é emprego

Falou à própria consciência o periodista iniciante: "Aquela era apenas uma matéria de pé de página. Uma modalidade de terror daquelas não causaria nem enjôo nos leitores, tamanha falta de ineditismo". Sim... Tempo é “emprego” na imprensa mercantilista, resmungou.

Entregou-a assim mesmo: Homem-Bomba Mata 35 no Iraque. Meio termo.
Pelo menos até o próximo round ético.

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