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sexta-feira, julho 28, 2006

O Vampiro da Rua da Praia


(Foto: sleon.sourceforge.net)

Jeziel é um vampiro. A banca em que trabalha no Centro é a número cinco (considerado número de má sorte, segundo uma amiga dele). Ela fica localizada na Copacabana porto-alegrense ou Rua da Praia (dos Andradas).

Bem em frente à Praça da Alfândega, pessoas pisoteiam o chão repleto de pedras portuguesas em mosaico a desenhar ondas. Jeziel, cabelos longos amarrados, observa as passantes. As que se aproximam do ponto de venda – na maioria, mulheres - são abordadas por ele. Os caninos do artista são duas vezes maiores que os incisivos. As vestes e os cabelos, pretos.

Menos sedento por sangue que por dinheiro, as pessoas não demonstram receio menor de Jeziel por essa razão. “Um homem tem que trabalhar e pagar pelos seus vícios”, declara, retomando um dos ensinamentos paternos. Sobre os “filtros” ou a proteção xamânica que vende – cordas finas e coloridas entrelaçadas que parecem uma teia de aranha – ele é menos místico e mais comerciante. “Chamamos de filtro, às vezes de proteção, depende do que o cliente quer comprar.” Os colares de miçanga deixaram de ser oferecidos, pois “todo mundo está fazendo” e o preço baixa.

Jeziel faz tatuagens de Henna e valoriza o serviço. “Já veio gente aqui pedindo para fazer tatuagem de ‘hiena’. Aí não dá”, debocha. Do estande, vê-se ao fundo Carlos Drummond de Andrade conversando com Mário Quintana. Este último, sentado e servindo de poleiro para um pardal desinformado em literatura.

Os olhos enviesados fazem com que ele incline a cabeça para cima para manter contato visual. Jeziel é um vampiro vesgo de menos de 1,80m. Sobre a briga com a namorada tece algumas suposições astrais. “Ela é de libra e eu sou de leão. Ela é muito sensível, ainda mais, grávida”, desabafa. Ao que tudo indica não é bem aceito pela família da moça de nível socioeconômico elevado. “A mulher diz que os pais dela têm que me amar que nem amam ela. Isso é um absurdo.” Olha de cima, porém brinca muito e cumprimenta os vendedores de CD que passam carregando carrinhos cheios de tralhas.

“Ela diz para eu não vir trabalhar, que ajudará a me sustentar, mas um homem tem que ser útil”, declara, sem pronunciar o nome dela – talvez a fraqueza do vampiro. A camiseta de Jeziel é rasgada nos braços e traz uma cruz na parte de trás com o nome da banda Black Sabbath grafado dentro. De um compartimento embaixo da banca, retira um cruz da Idade Média, forjada em metal. “Essa é uma cruz de vampirismo”, explica. No centro dela há uma adaga. Complementando a forma, duas meias-luas de costas uma para a outra. “Tenho facilidade para o artesanato. Acredito que a pessoa já nasce com esse dom.” Entre os talentos, o de tocar violão, mas o companheiro das tardes foi vendido para honrar umas contas.



Vida de hippie ou artesão

De segunda a sexta-feira, ele trabalha na avenida Sete de Setembro. “Nós viemos para a Rua da Praia no sábado porque lá [na Sete de Setembro] não passa ninguém. Somos 80 famílias que dependem disso para viver”, ressaltou. Jeziel queixa-se é do preconceito. “O pessoal nós chama de hippies, mas isso é outro movimento. Nós somos artesãos. Alguns de nós realmente fazem baderna e por isso sofremos as conseqüências.” Conforme o artista, alguns colegas de banca são desrespeitosos, bebem e ainda “mexem” com as mulheres na rua. “A Brigada Militar não gosta muito da gente”, queixa-se. O artesão afirma que já viu cinco brigadianos espancando um garoto que havia roubado uma carteira. “Não acho certo roubar, mas isso não resolve. O guri tava com fome”, defende.

Dos incidentes na praça, lembra de um senhor idoso que visitava pela primeira vez a capital e sentou-se em um dos bancos, puxando assunto com outro senhor também de idade avançada. “O pobre velho [que mal conhecia Porto Alegre] se levantou para ir embora e simplesmente levou uma facada pelas costas e foi assassinado. No outro dia o senhor que o matou estava novamente sentado ali. Impune”, narrou.

Em frente à escultura em bronze dos poetas, criada por Xico Stockinger, outros artesãos, seis vagabundos ou outros esquecidos da cidade conversam em um banco em frente. Riem de mais um sabá, em meio às pombas e a bebida. Jeziel, noventa quilos e não mais de 33 anos, fuma outro cigarro, e acena para um colega. Os dois se aproximam e olham para o céu em direção às copas das àrvores que protegem Quintana. “Ela está bem, né?”, conclui.

No meio das folhas, o que poderia ser uma peça pregada pelos dois se mostra uma pomba revoando, desorientada. “Aquela pomba estava muito doente e ele a levou para cuidá-la em casa. Agora ela está boa, mas esta cega”, revela Jeziel, contando a história do novo animal de estimação da Praça da Alfândega.

O outono ensolarado não intimida o vampiro da Rua da Praia que “desaparece” da banca e volta com um copo de café preto para escapar do frio. É presenteado com um cartão telefônico, mas some novamente para colocar ordem na vida afetiva. Vai e volta do “orelhão” mais sorridente e empolgado. “Acho que nos acertamos. Assim que sair, vou passar na casa dela”, conta. Depois, Jeziel não só atendia melhor os clientes, como chegou a chamar de “namoradeiras” duas moças que queriam fazer uma tatuagem de Henna.

Jeziel – que já era outra pessoa - virou-se para os colegas de banca e se empolgou: “Bah, tava tri a fim de tomar um vinhozinho. Aceitam?”. Coisas de vampiro gaúcho.

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